O Co-Lab Walk my city free é um projeto cofinanciado pelo fundo de relações bilaterais dos EEA Grants
Cofinanciamento
Cidades convidativas, que podem ser percorridas a pé e que realmente dão as boas-vindas a todos – pessoas que se identificam com todos os géneros, que gostam de caminhar pelas ruas, praças e parques com toda a liberdade, que deambulam a pé sem sentirem alguma forma de constrangimento. Este é o alvo do co-Lab Walk my city free. Sabemos que essa é (ou deve ser) a aspiração de todas as cidades para o espaço público compartilhado.
Queremos contribuir para que as pessoas possam sentir essa satisfação na sua cidade.
A pandemia COVID-19 aumentou a procura de caminhos ao ar livre acessíveis, confortáveis e agradáveis, tanto pelo gosto de andar a pé, quanto como alternativa ao transporte público. Esta necessidade dos residentes coincide com o esforço de muitas cidades para tornarem os bairros mais seguros e acolhedores para que possam ser desfrutados por todas as pessoas. Os inquéritos que promovemos mostram como o género feminino está especialmente exposto a situações de assédio. Os ataques atingem mulheres de todas as idades. A análise mostra que certos bairros cresceram em modo que acaba por favorecer situações de assédio e de assalto.
Neste projeto de investigação conjunta, Co-Lab ‘Walk my city free’, cofinanciado pelos EEA Grants, o Coletivo Zebra, o Instituto de Economia do Transporte (TØI), a Inland Norway University of Life Sciences e a associação Corações Com Coroa aplicam-se para desenvolver ferramentas para cuidar as questões de género na dinâmica das cidades, de modo a contribuir para que as cidades se tornem mais convidativas para que a mulher, em todas as idades, possa usar a rua com nova confiança, com menos receios e desconfortos.
Este nosso projeto procura o que deve mudar e ser ajustado para que os bairros evoluam para um ambiente mais acolhedor para todos e, especificamente, para que a mulher, de todas as condições e idades, possa sentir que aquela rua e aquele bairro é o lugar dela, onde se sente bem, confiante, segura, mais liberta da ameaça de assédios e assaltos.
Puxamos pela caminhada como parte determinante na nossa vida quotidiana e defendemos a necessidade de ajudar a tornar mais fácil, agradável e seguro para que quem habita e frequenta a cidade possa encontrar boas oportunidades para dedicar mais do que uma fração do seu tempo a caminhadas. Sabemos que a mobilidade é apenas um conceito operacional. O objetivo mais amplo que serve, na verdade, leva-nos a um caminho mais tangível em direção ao conceito relativamente novo de cidades vivas e saudáveis para todos. A ciência mostra-nos amplamente como a prática frequente e regular de andar a pé regularmente é um grande valor para a nossa saúde física e mental, bem como para nosso bem-estar geral.
A prática de caminhar é reconhecida, e isso foi validado pelos nossos inquéritos, pelo contributo para que as pessoas se sintam mais relaxadas. Muitas pessoas também reconhecem que a caminhar sentem-se mais livres. Alguns urbanistas, como Filipa Wunderlich, vão mais além e até referem a noção de felicidade momentânea que as pessoas transmitem sentir com o prazer de uma boa caminhada.
Caminhar também é uma forma de socializar. Durante o primeiro confinamento pela Covid-19, muitas pessoas descobriram a importância de poder sair de casa por curtos períodos para caminhar e fazer exercício físico. Quase um ano depois ouvimos dessas pessoas o quanto gostaram dessas caminhadas ou corridas, que as ajudaram a lidar com a ansiedade da pandemia. Muitas pessoas revelam que, quando as restrições de confinamento foram suspensas, tiveram vontade de manter o que ficou como hábito agradável. Infelizmente, porém, muitas dessas pessoas vieram a perceber como os bairros delas não convidam para bons passeios de lazer, por não terem enquadramento agradável: nem áreas verdes convidativas nem ruas acolhedoras e limpas. Por tudo isso defendemos o cuidado desenho urbano que facilite o andar a pé num ambiente local agradável e saudável para todos. É, também, uma questão de justiça social.
Porém, a realidade mostra-nos que ainda encontramos barreiras sistemáticas que desafiam a aspiração de igualdade, neste caso, a de género: as mulheres sistematicamente relatam mais vulnerabilidade do que os homens no espaço público.
Cabe-nos enfrentar essas barreiras e projetar o bairro, a freguesia, a cidade para a inclusão. Sabemos que não há padrões universais para tratar a inclusão. Assim, partimos para este projeto com a noção clara de que o nosso ponto de chegada seria muito mais um processo de trabalho comum do que uma visão estática desejável do futuro das cidades. De facto, o que este Co-lab propõe é apontar um conjunto de princípios e orientações práticas para ajudar designers e todos os envolvidos nos processos de planeamento do espaço público comum na intervenção para que ruas, praças, bairros, freguesias e cidades fiquem mais convidativas, também para que todos se sintam bem a andar a pé.
Este nosso manual começa por apresentar evidências da muita desigualdade de género que afeta a deslocação nas cidades.
Assumimos as diferenças entre regiões, muito evidentes entre o sul e o norte da Europa, aliás com representação neste nosso trabalho: uma parte desta equipa do co-Lab Walk my city free está baseada na capital portuguesa e a outra na Noruega, com reconhecida tradição igualitária em termos de género.
Ao longo de 2020, um ano marcante que trouxe desafios para as cidades e para quem nelas vive devido à pandemia covid-19, o coletivo ZEBRA não esqueceu a sua missão e adaptou as ferramentas disponíveis para continuar a trazer todos à discussão sobre a importância de andar a pé. Em setembro, promovemos o ciclo de conversas vídeo, organizado pela associação Corações com Coroa com o Coletivo ZEBRA, no âmbito do Co-lab WALK MY CITY FREE. À distância, por videoconferência, demos voz a vários especialistas na área do urbanismo, sociologia e arquitectura, para percebermos como estão os hábitos de caminhar dos portugueses e como se desenha uma cidade para andar a pé. Um dos princípios mais destacados pelos diversos participantes como fundamentais para o futuro das cidades foi a importância de ouvir todos os que percorrem diariamente as suas ruas ou que, não o fazendo, gostariam de ter mais condições para tal.
Foi justamente com base neste pressuposto que a ZEBRA lançou, no dia 4 de outubro de 2020, o inquérito “Caminho como respiro”, para ouvir as pessoas sobre os seus hábitos, desejos e preocupações quanto à ação de caminhar pela cidade – por prazer ou por obrigação. Até 14 de janeiro de 2021, já havia 508 participantes, incluindo 389 mulheres, 101 homens, 11 mulheres transexuais e três homens transexuais – a amostra sobre a qual trabalhamos. As respostas enviadas permitiram tirar várias conclusões, principalmente no que diz respeito às discrepâncias encontradas entre os diferentes géneros.
Começamos com os hábitos de caminhada. O nosso inquérito permitiu verificar que apenas uma minoria (6%) não possui este hábito, contra 56,9% que afirmam caminhar todos os dias. Dados que contrastam com as conclusões de um inquérito realizado pelo Programa Nacional de Promoção da Atividade Física (PNPAF), programa prioritário da Direção-Geral da Saúde, que conclui que não só 47% dos portugueses residentes nas cidades são sedentários e 48% não pratica qualquer tipo de desporto, como 13% da população da cidade portuguesa nem sequer anda dez minutos seguidos. As divergências com os nossos dados podem ser explicadas pelo fato de a nossa amostra estar concentrada em pessoas que vivem no centro de uma grande cidade ou imediatamente na sua periferia, enquanto a pesquisa do PNPAF também incluiu pessoas de áreas mais rurais do país.
A pesquisa da ZEBRA indica que a maioria escolhe (36,4%) ou tem de (39,9%) andar a pé para cumprir as suas obrigações diárias ou por lazer. Na verdade, 96,6% afirmam que o fazem mesmo por lazer. No entanto, grande parte (79,2%) respondeu que o faz no caminho para a escola, faculdade ou trabalho, ou mesmo para levar os filhos à escola ou fazer compras (81,8%). 40,6% caminham todas as semanas (entre cinco a sete dias) de dez a 30 minutos. Por outro lado, o número de pessoas que caminham mais de uma hora vários dias por semana é residual e grande parte não caminha mais de 30 minutos durante a semana.
Contudo, quando olhamos para as questões por idade e sexo, o quadro estatístico difere do geral. Em relação à idade, há uma conclusão a tirar: os mais novos (nascidos entre 1997 e 2002) são aqueles que responderam caminhar com frequência, diariamente. Quanto ao género, é possível concluir que a maioria das pessoas que se identificaram como mulheres afirmou que caminha todos os dias (59,6%). Outros 25,6% afirmam que caminham quase todos os dias. Dessa amostra de mulheres, 33,9% afirmam que precisam de caminhar até o trabalho, escola ou universidade, enquanto 45,8% escolhe apenas fazê-lo (pelo menos dez minutos deste percurso) e 49,5% optam por caminhar por prazer. Dentro de cada grupo de género, as mulheres transexuais foram as que mais responderam caminhar todos os dias (90,9%).
Na hora de dizer qual a altura do dia em que mais gostam de caminhar por lazer, as preferidas são, para a amostra em geral e por ordem, ao final da tarde, durante o dia ou ao amanhecer. ‘Durante o almoço’ é a variável com menor número de respostas, um sinal do desuso da caminhada como processo colaborativo, entre os colegas de trabalho, como acontece em várias empresas no mundo. ‘À noite’ é a segunda opção menos escolhida, o que pode ser explicado por preocupações com a segurança nas ruas, como exploraremos mais adiante neste documento.
Também por género existem discrepâncias neste tema. Nenhum dos tipos de transgéneros escolheu que o horário em que mais gostam de caminhar seja à noite. Entre as mulheres, apenas 17,4% selecionaram essa variável, o que contrasta com os 34,7% dos homens que afirmam gostar mais de caminhar à noite. Os dados refletem as advertências que vários especialistas em urbanismo e sociologia têm feito ao longo dos anos: as cidades não estão pensadas para as mulheres, vulneráveis a certos comportamentos e condições físicas.
Assim como a ZEBRA concluiu com este levantamento, o PNPAF também mostra que a existência de determinados espaços na cidade influencia os hábitos de caminhada. O PNPAF conclui que 73% dos residentes em Lisboa reconhecem ter um parque ou caminho para caminhar perto de casa, com 57% no Porto e 40% em Coimbra respondendo ao mesmo. A amostra coletada pela ZEBRA mostra que quase 90% caminham perto de onde moram e a maioria das pessoas gosta e tenta caminhar em áreas verdes ou azuis. Para todos os géneros, andar em ruas com boa cobertura também é um fator importante na hora de decidir sair de casa, do trabalho ou da escola e caminhar.
O certo é que os hábitos da maioria das pessoas mudaram desde que a pandemia covid-19 chegou a Portugal e, sobretudo, durante o lockdown. Desde março de 2020, quando o Governo português decidiu o recolher obrigatório de toda a população, tanto houve quem deixasse de andar lá fora como quem passasse a fazê-lo. De acordo com os dados da nossa amostra, 59,5% afirmam que passaram a dedicar-se mais à caminhada e 33,9% admitem que, desde então, também passaram a dedicar mais tempo à caminhada até a escola ou trabalho.
Então, o que limita ou motiva os cidadãos a caminhar mais ou menos pela sua cidade? Neste campo, as conclusões do inquérito ZEBRA aproximam-se do que já tinha sido afirmado pelo estudo do PNPAF: a falta de motivação é o pretexto para 46% dos que não praticam qualquer forma de atividade física e há ainda 45% que alega que o problema é falta de tempo. O nosso inquérito permitiu sobretudo perceber que há um fator limitador para uma grande parte da amostra feminina e transgénero: a forma como a cidade está desenhada para caminhar ou não.
As conclusões mostram-nos que a maioria dos participantes não sente qualquer limitação ao caminhar por prazer. No entanto, 31,3% diz realmente não ter tempo e 14,4% fala em insegurança. Embora as diferenças sejam notórias quando se faz esta análise por géneros. Enquanto 38,9% das mulheres responderam que não o fazem mais por não terem tempo suficiente, apenas 5% dos homens referiu o tempo como razão. A segurança é o fator mais contrastante, com 0% dos homens a escolher esta razão, contra os 17,9% das mulheres e 81,8% das mulheres transgénero – não houve homens transgénero a referi-lo. Relativamente aos transgéneros, ambos os tipos referiram ainda não caminhar mais pelo desconforto do olhar dos outros: 81,8% das mulheres transgénero e 33,3% dos homens transgénero.
Quando pedimos aos participantes do inquérito para apontarem quais os limitadores existentes nos seus bairros, apontaram, sem grande discrepância entre estatísticas, o seguinte: assédio sexual, tráfego automóvel, assaltos e ruas frias ou sujas.
O que, aliás, vai ao encontro de um conjunto adicional de testemunhos que recolhemos junto de estudantes universitários de Lisboa.
Apresentamos nove depoimentos que convergem na constatação de falta de liberdade para caminhar com satisfação e segurança nas ruas, especialmente à noite e em zonas sem outras pessoas no terreno. Entre eles, há diversos manifestos a ter em conta, entre os quais a ideia de que a presença policial não é, necessariamente, factor de confiança. E há até quem prefira que o percurso não tenha iluminação, de modo a passar sem dar nas vistas. Alguns dos sete estuantes defendem que o planeamento urbano desenhe percursos abertos “sem armadilhas” para quem se move a pé, e que a colocação sistemática de câmaras de vigilância (como foi anunciado pela Câmara Municipal de Lisboa) pode ser dissuasora. Há ainda desejos de comércio aberto durante a noite para que o povoamento possa gerar confiança. Mas, principalmente, sobre a ideia de que este trabalho de incrementar a segurança na rua começa antes da hora de desenhar cidades: defendem a necessidade de a educação dar atenção especial ao respeito pelo outro, de modo a mudança de mentalidades, pois é constatado que o sentido de proteção funciona entre algumas comunidades minoritárias, mas está ausente na sociedade em geral.
Suíla, 25 anos
“Gostava que quem tem o encargo de garantir a segurança dos cidadãos experimentasse percorrer o trajeto que todas as noites tenho de cumprir entre a estação de Metro do Colégio Militar e o quarto onde vivo.”
Carolina, 18 anos
“São raras as viagens em que não levo comentários de objetificação ao meu corpo ou em que os próprios olhos dessas pessoas não se encarregam de o fazer.”
Iza, 20 anos
“Sinto-me relativamente segura andando pelas ruas de Lisboa em relação ao que sentia nas ruas do Brasil. Acredito que tenho sim mais liberdade em Lisboa, principalmente à noite, dado ao facto que no Brasil nunca tive dada liberdade.”
Luna, 23 anos
“É horrível sentirmo-nos comidas com os olhos de pessoas inapropriadas.”
Rodrigo, 21 anos
“As únicas alturas em que me sinto 100% seguro na cidade é no decorrer do dia.”
Petra, 22 anos
“Ver nas ruas n polícias transmite-nos uma certa segurança ao andarmos pelas ruas de Lisboa, seja de noite ou de dia”
Deana, 23 anos
“Lisboa, tal como Portugal aparecem-nos, orgulhosamente como lugares seguros. No entanto, apesar de ser relativamente seguro em comparação com outros países da Europa, casos de assédio persistem nas ruas.”
Micaela, 23 anos
“Não sou por uma vida policiada, mas é precisa transformação das mentalidades orientada para o respeito pelas pessoas.
Lara, 23 anos
“A polícia na rua, por si só, não é um factor de tranquilidade, pode ser o contrário. O que era bom é que houvesse caminhos francos para quem vai a pé. Sou completamente a favor de haver câmaras de vigilância.”
Ver todos os testemunhos de estudantes sobre “O que é ser mulher/homem e andar na cidade”
Quer no nosso inquérito quer na voz destes testemunhos, fica algo claro: homens e mulheres não perspetivam a cidade da mesma forma e reconhecem que a segurança é um tema que afeta mais as mulheres. Conclusão que já tinha ficado demonstrada no estudo da investigadora brasileira Adriana Souza. Em 2019, desenvolveu a a tese “MULHER, UMA FORÇA QUE CAMINHA UM ESTUDO DE CASO EM BRASÍLIA E LISBOA”, no âmbito da tese de doutorado da pós-graduação em Transportes do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília.
Ao longo de anos, a investigadora Souza apurou um índice de caminhabilidade do medo das mulheres nas cidades escolhidas para o estudo de caso. Assim, calculou o índice de caminhabilidade do medo das mulheres (parte quantitativa) com base em dois questionários online respondidos por 1189 mulheres no Brasil e em Portugal – tendo sido utilizadas 516 respostas (233 em Brasília e 283 em Lisboa).
Foram várias as conclusões a que chegou. Em primeiro lugar, conta, “foi confirmada a hipótese apresentada de que a construção de cidades que apresentam soluções tradicionais de mobilidade e planeamento urbano é extremamente opressora à mulher nos seus deslocamentos, pois as mulheres são cerceadas na escolha de seu trajeto a pé e são limitadas de ocuparem os espaços públicos, apenas por ter de cumprir um papel social e cultural atribuído a elas na sociedade, e por isso são incentivadas e reforçadas a desenvolverem sensações de vulnerabilidade e insegurança, guardadas as especificidades dos dois países e das suas capitais.”
Uma realidade que tem um foco muito definido na capital portuguesa. Através das entrevistadas por Adriana Souza em Lisboa, a investigadora somou referências ao “receio/medo de circularem a pé no período notturno”. “Também relataram os desconfortos sofridos pela infraestrutura ineficiente dos passeios, da iluminação e da falta de políticas públicas para os estacionamentos irregulares de veículos nos passeios. A cultura, também machista e sexista dos portugueses, influencia na elaboração de estratégias de deslocamento que elas adotam no dia a dia, por exemplo, as mulheres planeam seus deslocamentos evitando certos modos de transportes, rotas e horários”, remata.
A amostra de Lisboa permitiu ainda aferir que “a imensa maioria das mulheres declara que se sente demasiado cansada, sempre ou quase sempre, o que é lógico se considerarmos o pouco tempo de que muitas mulheres dispõem para si próprias nos dias úteis/de segunda a sexta-feira. Uma em cada dez mulheres declara tomar diariamente medicamentos para a ansiedade, para os distúrbios do sono ou antidepressivos”.
Apesar do constatado relativamente à segurança, Adriana Souza ressalva que Lisboa fez “grandes progressos nos últimos anos para melhorar a segurança dos pedestres em todo o município”. Destaca, por exemplo, o Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa (2013) como uma grande inovação legal em planeamento de pedestres e engenharia de tráfego (Balsas, 2017). Foi criado com o objetivo de “tornar Lisboa acessível, impedindo a criação de novas barreiras, promovendo a adaptação das edificações existentes e mobilizando a comunidade para a criação de uma cidade para todas as pessoas” (CML, 2009). A pedestrialização iniciou em 1984 na capital, quando a sua principal rua – Rua Augusta –, que liga a Praça do Comércio à Praça do Rossio, foi pedestrianizada.” No seguimento da construção deste plano, nasceu o Mapa Potencial Pedonal (MAPPe), cujo objetivo passava por “modelar o potencial pedonal de Lisboa, visando contribuir para o planeamento e gestão do espaço público, e percebendo quais são as áreas do município de Lisboa onde existe uma maior concentração de fluxos pedonais, possibilitando a definição de prioridades na atuação da melhoria do espaço público” (Relatório de Execução em 2015 – 2017).
Ainda assim, Adriana Souza conclui que, no processo de construção das cidades, prevalece o contributo masculino e é menosprezado ou mesmo ignorado o proposto por mulheres.
Patrícia Santos Pedrosa, arquitecta, professora universitária e fundadora da associação Mulheres na Arquitectura dedicada a promover a igualdade de género, ajuda-nos a identificar ainda outras barreiras à caminhabilidade das mulheres nas cidades:
As cidades estão pouco preparadas para as mulheres: “a cidade é desenhada por e para homens”. A desigualdade sai pela porta fora da casa das mulheres. Uma experiência ocidental, não só em Portugal – aliás, “basta alguém ter de andar pela cidade com um carrinho de compras ou de muletas para ter logo este choque com a realidade”. São os homens que estão nos cargos de decisão, o que torna a voz feminina no processo do desenho urbanístico quase nula.
Isto reflete-se na insegurança que as mulheres sentem quando andam na cidade – há uma série de sítios onde os pavimentos já estão a mudar, a ficar mais seguros; mas até nisto a experiência de uma cidade é desigual. Nos transportes, também. “Está provado, em estudos internacionais, que são as mulheres quem mais frequenta os transportes públicos”. A cidade foi construída sobre uma base rodoviária, mas grande parte das mulheres não anda de carro, anda de transportes. E pessoas que usam transportes públicos andam mais a pé do que aquelas que se transportam de carro. Mas nem os transportes apresentam condições: “não estão feitos para as muitas mulheres que, por exemplo, entram ao trabalho nas empresas quando todos vão para casa, para limpar os escritórios e sair já de madrugada. Já nos perguntamos como é que estas mulheres regressam a casa? Se têm transportes e quantos têm de apanhar para lá chegar. Muitas delas, a morar no grande anel periférico da cidade”.
“Não sei se há muitas pessoas com esta consciência, mas há mulheres que abdicam de cuidar de si pelo incómodo de se dirigirem a determinados espaços da cidade” – ou por estão longe, ou porque os acessos estão dificultados.
As estatísticas revelam também realidades positivas. O nosso levantamento permitiu-nos perceber como é que caminhar faz os nossos participantes sentirem-se quando o fazem e todos mostram que há boas razões para o praticar.
A maioria diz que caminhar o relaxa (86,3%), sobretudo. Mas também os faz sentirem-se livres (71,4%), agradecidos por fazer exercício (64,2%), ganhar energia (61,6%), sentirem-se inspirados (49,6%) e empoderados (27,6%). No entanto, apenas uma ínfima parte (10,7%) disse que os faz sentirem-se contentes com a oportunidade de conhecer outras pessoas. O que leva a crer que o caminho ainda é, para a maioria, uma ação solitária – por isso é que 6,7% respondeu que caminhar os faz sentir solitários.
Tal como nas restantes variáveis, passer da análise geral da amostra para a análise por faixas etárias ou por géneros muda o panorama dos números. Quando dividimos por géneros: ‘relaxado’ é o mais respondido entre todos, mas há diferenças a partir do segundo parâmetro mais respondido. Nas mulheres, é ‘livre’ (77,7%), já nos homens é ‘satisfeito por fazer exercício’ (71,3%), sendo que ‘livre’ é só a quarta opção mais respondida, com 52,5%. Além disso, enquanto apenas 13,9% dos homens refere sentir-se ‘empoderado’, os outros géneros dão bastante relevo a este parâmetro: mulheres – 32,2%; mulheres transgénero – 54,5%; homens transgénero – 33,3%; outros – 25%.
Os números revelam que os benefícios de andar a pé vão além dos físicos, podendo ser um canal de empoderamento das pessoas que mais se sentem oprimidas, ou pelo tempo ou pelos outros.
Cidades caminháveis são cidades felizes e com cidadãos felizes. Já são há muito conhecidos os benefícios de uma caminhada no corpo do ser humano: ajuda a manter um peso saudável; tonifica os quadríceps, isquiotibiais, glúteos, pernas e até a parte superior do corpo; previne o risco de vir a ter cancro; melhora a saúde do coração; aumenta a ingestão de vitamina D para manter os ossos, dentes e músculos saudáveis; e, de acordo com o Public Health England (PHE), reduz o risco de morte prematura em 15%. Mas não só. Corpo são, mente sã é um lema que a caminhada leva muito a sério.
Raúl Antunes, professor da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Politécnico de Leiria e um dos convidados do ciclo de conversas da ZEBRA “Cidade que Abraça”, lembrou que “pessoas que relataram mais atividade física ao ar livre durante o confinamento também relataram níveis mais baixos de ansiedade ”. “Caminhar desempenhou um grande papel e teve uma correlação positiva com os resultados gerais para mais atividade física. Os idosos andaram mais, talvez pela presença de mais gente nas ruas e pela sensação de segurança”, contou.
Uma opinião que reúne consenso entre os especialistas. Não há dúvidas de que andar a pé é “muito importante para a nossa saúde mental”, mas Filipa Matos Wunderlich explica quais os efeitos positivos de o praticar regularmente. Arquiteta e desenhadora urbana, diretora do Mestrado em Design Urbano Interdisciplinar, na Bartlett School of Planning, em Londres, foi também uma das convidadas nas conversas ZEBRA e o seu testemunho permitiu-nos saber que “caminhar regularmente num caminho escolhido e desejado pode ser uma fonte de felicidade momentânea”.
“Isto tem a ver com a expressividade da ritmicidade do caminhar, associada aos acontecimentos, surpresas e novidades que a cidade traz. Podemos falar aqui de experiências ideais. Está ligado ao prazer corporal e relaxamento mental. Isto acontece quando o caminhante sente um bom fluxo na caminhada.” É exatamente por isso que defende que “devemos investir na conceção de oportunidades para boas caminhadas, com um bom fluxo, que libertem um estado emocional positivo (sensações corporais positivas e relaxamento mental) e que pode ser positivo para a saúde mental das pessoas”. “Principalmente nas cidades cosmopolitas, devemos começar a abordar as oportunidades de facilitar espaços para este tipo de efeito de caminhada. O importante não é o que os lugares têm, mas o que acontece lá.”
A quilómetros de distância, Giovanna Calogiuri, professora in Health Sciences at the Science Center for Health and Technology ate the University of South-Eastern Norway, estudou ainda a importância que tem caminhar junto da natureza, em espaços verdes ou com água (rio ou mar) por perto. Em declarações à ZEBRA, a especialista conta que “na última década, cada vez mais estudos mostram que o exercício em zonas verdes é bom para nós de várias maneiras”. Porque “o contacto com a natureza pode ajudar-nos a relaxar e a sentirmo-nos bem” e “existem muitas teorias e explicações para a razão de isto acontecer”: “alguns dizem que as emoções que sentimos quando estamos em contacto com a natureza fazem parte dos mecanismos de sobrevivência desenvolvidos desde milhares de anos durante os quais florestas e savanas foram nossos ambientes naturais – afinal, começamos a viver em cidades há relativamente pouco tempo! ”; “outras teorias afirmam que elementos da natureza, como árvores, vistas da água e as nuvens no céu, possuem características típicas (formas, cores, sons, cheiros) com efeitos calmantes/relaxants”. Ainda que, também, “perspectivas mais recentes têm proposto que o contacto com a natureza pode aumentar os nossos sentimentos de conexão com o mundo natural, dando-nos sentido à vida, ou que simplesmente associamos a natureza a memórias e experiências positivas”.
Independentemente do motivo, diz ela, há um grande corpo de evidências que mostra que estar em contato com a natureza pode melhorar o humor e a saúde mental das pessoas. Uma missão difícil em zonas urbanas, mas mais importante aqui também, devido às ruas sobrelotadas, uma sensação de insegurança e a elevada poluição. Giovanna Calogiuri diz que criar zonas verdes também pode incentivar as pessoas a serem mais ativas fisicamente. “O que é interessante é que os benefícios psicológicos positivos do contacto com a natureza e da atividade física costumam apoiar-se mutuamente: para visitar a natureza, as pessoas geralmente precisam de se mover (por exemplo, caminhar num parque, caminhar numa floresta, etc.) e quando as pessoas se movem na natureza eles sentem-se bem, então eles vão querer fazer isso de novo, e de novo…”
.
O inquérito ZEBRA mostrou que caminhar ainda é um ato muito solitário, propositadamente ou não. Há quem veja o andar a pé como uma oportunidade de autoreflexão, para cuidar da sua saúde mental. Mas raramente os cidadãos vee misto como uma oportunidade de conhecer mais e novas pessoas. No entanto, este é o diamante em bruto que o prazer de andar a pé tem para oferecer, ainda pouco explorado em Portugal, por exemplo.
A arquiteta e urbanista Filipa Matos Wunderlich explica que “caminhar é essencial para que as pessoas sintam a sua humanidade”. “Precisamos de caminhar para nos sentirmos humanos, para percebermos melhor o tempo e onde pertencemos”, por isso “o caminhar urbano é repleto de sociabilidade: através dele é que nos expressamos, comunicamos com os outros”. Uma sensação que se adensou com uma pandemia e os consequentes confinamentos, depois de afastados da comunidade. “Durante o confinamento devido à covid-19, sentimos a vontade de sair e caminhar? Porquê? Porque precisamos, precisamos de ver as pessoas, precisamos de pertencer à comunidade. ”
Com morada em Genebra, apesar da nacionalidade Portuguesa, Sónia Lavadinho falou à ZEBRA sobre o papel que as políticas locais têm na promoção da socialização através da caminhada pela cidade. A experiência que acumula na área fala por si. É geógrafa, com formação também em sociologia e antropologia urbana, participou no masterplan para a pedonalização da capital francesa, desenhou o plano “Ciudad amigable” para ampliar a caminhabilidade de Buenos Aires e participou noutras estratégias de transformação urbana pela mobilidade a pé para diversas cidades europeias. Em 2012, criou a BFLUID, um gabinete de prospetiva em mobilidade e desenvolvimento do território. Os anos que leva ao comando das questões da mobilidade permitem-lhe dizer que “é dever do planeador e do político local projetar a cidade relacional, que facilite encontros para caminhadas, sejam grupos, casais, amigos ou famílias”. Segundo Sónia Lavadinho, “precisam de dar prioridade ao tempo e ao espaço para caminhar. Quando as pessoas caminham juntas, elas combinam com seu ritmo de caminhada, há um tipo diferente de interação entre as pessoas”.
Não apenas a necessidade de áreas verdes ou as oportunidades de socialização são importantes para os cidadãos. Se covid-19 nos mostrou algo, foi que “as dinâmicas de hiperproximidade são muito importantes para as pessoas”. Assim conclui Sónia Lavadinho, que explica como a pandemia “ajudou as pessoas a avaliar a qualidade do seu bairro para caminhar”, passando a vê-lo de uma forma não apenas funcional, mas também de uma forma relacional. “Muitas pessoas, que usavam seu bairro apenas para caminhadas funcionais, passaram a usar seu bairro também para caminhadas de lazer. E, para algumas pessoas, pela primeira vez na vida, eles estavam a andar na sua vizinhança com os seus familiares e amigos. As pessoas exigem uma cidade relacional, não apenas uma cidade funcional.”
De acordo com Sónia Lavadinho, as cidades relacionais medem-se pela quantidade e qualidade dos parques e praças, por exemplo, que disponibilizam à comunidade. Mas, atualmente, as cidades estão longe de cumprir a sua meta relacional. “Normalmente as cidades têm 10% de seu espaço público dedicado a atividades sociais (cidade relacional). Idealmente, isto deve ser aumentado para, no mínimo, 30-40%. Todas as cidades estão muito aquém desta meta.”
Construir uma cidade relacional não só permite dar mais qualidade de vida aos cidadãos, como um vínculo com os mesmos. Falamos do “mapa mental”, como explica a geógrafa. “Caminhar ajuda a construir um mapa mental da cidade. A forma de conhecer uma cidade está ligada a passear pela cidade. Ao caminhar, estabelecemos novas vias neuronais. Se tu conheces a cidade apenas de metro, obtens um mapa mental fragmentado da cidade, feito dos poucos pedaços que vês na superfície ao sair. Não serás capaz de te orientar na cidade, não tens um mapa mental funcional.”
A especialista Filipa Matos Wunderlich não só concorda como vai mais longe e conta que “através do nosso caminhar, desenvolvemos consciente ou inconscientemente a nossa própria história biográfica na cidade”. O que pode ser “importante para a nossa saúde mental”, porque “ajuda-nos a definir quem somos, onde estamos, a que lugar pertencemos” e ajuda-nos a “desenvolver a nossa identidade social – a que lugar pertencemos na cidade, que espaço urbano é que chamo de meu, qual o meu bairro”.
Além disso, caminhar pode melhorar a maneira como reagimos aos principais problemas mundiais, como as mudanças climáticas. Porque “temos mais de 30 sentidos, e quando andamos muitos deles estão mais activos”, como a percepção da temperatura. “Isto é cada vez mais importante face às alterações climáticas”, afirma Sónia Lavadinho.
Ouvimos, em sucessivos debates, peritos com vasta experiência e estudo sobre a evolução para a cidade inclusiva, segura, amiga também para as mulheres. É unânime a necessidade de novo modo de abordar a transformação necessária, com foco na participação das pessoas – da voz de todas as pessoas – que habitam o lugar.
A cidade desejada, caminhável, deve ser uma cidade que acolhe todos, de forma segura, confortável, também atraente, é o objetivo defendido por Letícia Sabino, mestre em planeamento de cidades e design urbano, fundadora em 2012, do SampaPé, organização com sede em São Paulo, no Brasil, que se dedica ao desenvolvimento de cidades mais caminháveis
Em continuidade a esta visão apontada por Letícia Sabino, Pedro Homem de Gouveia, arquiteto, especializado em acessibilidade pedonal, participação pública e planeamento estratégico, atualmente Senior Policy e Project Manager na POLIS, em Bruxelas, onde coordena grupos de trabalho para a governação e segurança, após ter coordenado projetos destas áreas em municípios como o de Lisboa, entende que o direito dos cidadãos à sua cidade aprazível deve passar pela participação ativa das pessoas.
Pedro Homem de Gouveia insiste que não bastam os processos de consulta pública, é preciso que os arquitetos e os urbanistas vão para o terreno, ouvir as pessoas, perceber as necessidades específicas que têm. Pedro Gouveia invoca os bons resultados da experiência que tem com este método.
Retomando a experiência de Letícia Sabino em São Paulo, ela corrobora esta visão de Pedro Homem de Gouveia. Letícia refere a experiência de grupos específicos de trabalho para dar ouvidos ao diagnóstico que as mulheres do lugar, como especialistas naquele território, fazem dos problemas, ao mesmo tempo que lhes são sugeridos modelos inovadores de possíveis soluções.
A cultura de robusta participação ativa dos cidadãos na discussão para a intervenção na sua cidade também é defendida com veemência pela socióloga urbana Blanca Valdivia, ativista de um urbanismo feminista no Collectiu Punt 6, de Barcelona.
Blanca defende ser preciso evoluir de modo a que a “mobilidade utilitária” ou funcional também seja uma “mobilidade prazenteira”, isto é, com percurso que para além de seguro e com boa acessibilidade seja confortável e agradável.
Uma advertência deixada por Blanca Valdivia: não menos grave do que a pandemia Covid é a crise ambiental e climática, que exige mudar o modelo de vida e de cidade. Blanca lembra que a maior mobilidade pedonal nas cidades é de mulheres, no entanto subalternizadas.
Adriana Souza, doutora em Mobilidade Urbana, atualmente consultora no Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade, alerta que o planeamento de novas cidades e novos bairros, e dá como exemplo a cidade de Brasília onde vive, está a tirar o prazer de caminhar, ao dar prioridade à utilização funcional. Adriana reclama “o direito ao caminhar por prazer em cidades mais equânimes e inclusivas”
Jorge Moreira da Silva, diretor de Coooperação e Desenvolvimento na OCDE, depois de também ter exercido funções dirigentes no PNUD na área da Economia de Energia e Alterações Climáticas, para além de ter integrado vários governos portugueses, entende que a transformação da vida na cidade já está em curso e tem entre os elementos principais a substancial redução da presença do automóvel. Moreira da Silva pensa mesmo que “somos a última geração a tratar os automóveis como uma coisa nossa, os nossos filhos já não vão ter essa ligação ao automóvel”.
VÍDEO – JM Silva (1m03, em edição pelo João – PEDIDO DE HOJE De MANHÃ)
As mulheres têm, tradicionalmente, sobrecarga de trabalho, designadamente com o desempenho das várias tarefas de apoio à família, tanto os mais novos como os mais idosos.
Esta constatação é enfatizada por Inês Sánchez de Madariaga, professora na Universidade Politécnica de Madrid, onde dirige a cátedra UNESCO sobre Género, que coloca a necessidade de correções no processo de decisão política e de organização social que visem acolher o melhor interesse da mulher.
Inês de Madariaga também antecipa mudanças que a realidade da pandemia projetou. Considera necessário mudar e melhorar o modelo de casa de habitação e, também, já no curto prazo, a introdução de pequenos equipamentos de bairro dedicados à prática do teletrabalho. Neste caso, “reforçando o direito da mulher à cidade em espaços públicos aprazíveis.”
No guia para Espaços Saudáveis Inclusivos, o Instituto Gehl define o conceito amplo de espaço público como “espaços ao ar livre que encontramos na nossa vida quotidiana, acessíveis a todas as pessoas e que proporcionam benefícios de saúde e de bem-estar físico e mental tanto para as pessoas como para as comunidades em geral.”
O Instituto Gehl explicita que esta noção de espaço público inclui ruas, calçadas, parques e praças, também as redes de transporte que servem esse território, tal como as áreas de apoio à atividade física e recreativa, designadamente as voltadas para os mais novos.
O espaço público é o lugar que nos dá “oportunidades para vermos e encontrarmos outras pessoas, para socializarmos na nossa comunidade e, também, o acesso à natureza, à paisagem verde e tanto mais.” A caraterização enunciada pelo Instituto Gehl também aponta: “Mobilidade é muito mais do que ir para o trabalho, para a escola ou para outras tarefas. A mobilidade nas cidades também envolve as oportunidades, a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas.”
Inclusão é um conceito com forte carga cultural, que evolui rapidamente com o tempo. Não há um padrão constante.
Diferentes gerações de mulheres que partilham a pertença, como residentes, à mesma cidade e até mesmo, talvez, ao mesmo bairro têm necessidades distintas para a mobilidade no espaço público. Não há respostas consensuais e definitivas para o design do espaço público. Seja como for, designers e decisores têm de planear e decidir acolhendo níveis relevantes de segurança e de transitabilidade.
Há que explorar os melhores caminhos para conduzir a intervenção. É essencial o entendimento da realidade e da especificidade local, tanto no nível atual de procuras/aspirações quanto com uma visão prospetiva para a já antes abordada transformação da área para aquilo que as pessoas realmente desejam.
A União Europeia promove um Índice de Igualdade de Género, desenvolvido pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género, EIGE , que inclui um indicador particularmente relevante para a mobilidade nas cidades, para além de contabilizar a caminhada funcional: foca os tempos de lazer, de desporto, de cultura. Mostra como a mulher está em desvantagem.
O tempo para lazer é muito diferente conforme as sociedades nos diferentes países da Europa, mas há uma constante: é sistematicamente maior para os homens do que para as mulheres:
Dados estatísticos de género da União Europeia
(fornecidos em: http://ec.europa.eu/eurostat. Fonte: banco de dados online do Eurostat ilc_mdes11a)
Registámos nos capítulos anteriores a voz de cidadãos, especialistas e organizações da sociedade civil identificando diversos problemas que afetam mobilidade a pé nas cidades, particularmente a de mulheres, e que podem ser agrupados em duas grandes categorias:
A. Tornar as cidades mais acessíveis e convidativas para todas as pessoas e não apenas para alguns – Precisamos de cidades inclusivas;
B. Falta de tempo e distância em relação a locais qualificados para andar a pé – Precisamos de criar dinâmicas de híper-proximidade.
Ao longo de décadas sucessivas a ideia de cidade tem tido construção masculina: o planeamento urbano na generalidade das cidades europeias tomou como prioridade as atividades produtivas e os padrões de mobilidade dos proprietários de automóveis, sistematicamente muito mais homens do que mulheres. Os arquitetos, os responsáveis pelo planeamento e os decisores políticos locais foram, por muito tempo, quase exclusivamente homens. Assim cresceu a cidade masculina, determinada por uma cultura tipicamente não equitativa, com alguma exceção nos países nórdicos. Assim, não surpreende que até muito recentemente os principais tópicos de pesquisa sobre mobilidade urbana se tenham concentrado nas questões ligadas à deslocação de e para o trabalho e na facilitação da produtividade.
Assim, os padrões de mobilidade relacionados com atividade não produtiva, tal como cuidar dos filhos e familiares idosos, foram, ao longo de gerações, negligenciados pelo planeamento urbano. E, portanto, não aparecem na estatística europeia dados históricos suficientes, nem sobre a mobilidade não produtiva, nem sobre a mobilidade associada a atividades de cuidado ou aquela que se relaciona com o lazer. Tradicionalmente, os papéis nas atividades de cuidado são atribuídos em primeira e dominante linha às mulheres, no entanto submetidas a um sistema de mobilidade com marca masculina. Mais recentemente, a agenda de igualdade de género está a lançar luz sobre aquelas mulheres antes como que “invisíveis”, cuja mobilidade urbana nem sequer tinha sido incluídas nas estatísticas de dados de qualidade.
Há que ter em conta essa falta de estatísticas sólidas sobre os padrões de mobilidade das mulheres no planeamento de cidades e bairros melhores.
O guia Inclusive Healthy Places, produzido pelo Gehl Institute, orientado para projetar cidades com vida saudável, fornece um modelo prático especialmente útil para incluir em todas as fases do desenho urbano as ligações entre o design do espaço público e questões de inclusão. Este guia foi concebido como uma ferramenta flexível para ser adaptada a diferentes situações. A abordagem tem foco que vais mais além do que a perspetiva de género e, como tal, é útil para cruzar variáveis. O ‘Framework’ inclui uma lista de drivers, indicadores e métricas.
A ferramenta Estrutura para Inclusão destaca as interseções entre especificidades dos espaços públicos e os processos associados relevantes, tal como as principais determinantes sociais da saúde e do bem-estar.
Esta ferramenta está organizada em quatro seçcões:
Contexto: uma ampla lista de pré-condições e de dados de base local, incluindo dados demográficos, recursos públicos utilizáveis, condições ambientais locais relacionadas com o espaço público e factores de alerta para riscos de exclusão
Processo: lista de indicadores sobre a relação das pessoas com a comunidade, tal como confiança e participação cívica, envolvimento em processos participativos, gestão local, redes sociais e ações coletivas. Todos esses fatores são relevantes na conceção de processos participativos ou colaborativos voltados para a comunidade local. Entendê-los o ajuda a projetar melhor a motivação da comunidade.
Design e o Programa: uma bem organizada exaustiva lista de tópicos sobre características físicas e o design de lugares a serem levados em consideração ao projetar cidades estimulantes para caminhar. A mobilidade é, obviamente, um dos tópicos principais incluídos nesta seção da Estrutura para Inclusão. Outros tópicos relevantes são a presença da natureza, a qualidade da experiência, os equipamentos para prática de atividade física, a possibilidade de uso flexível do espaço, o nível de segurança percecionada, o equipamento de mobiliário urbano, o nível de manutenção e o potencial para convidar a voltar.
Sustentabilidade: esta seção ajuda a planear a sustentabilidade e resiliência de novas medidas e intervenções. Alguns itens possivelmente úteis a serem considerados incluem a estabilidade da comunidade, a coesão social, a gestão/governança, o investimento contínuo na comunidade e vizinhança e a capacidade de avaliação contínua.
Considerada a complexidade dos fatores que afetam a igualdade de género no espaço público, bem como a diversidade de drivers que podem ser ativados para melhorar a qualidade dos lugares e a sua atractividade para a prática de andar a pé, pode-se facilmente antecipar que muitos obstáculos podem surgir em qualquer fase dessa intervenção sobre o design do espaço público.
A integração de igualdade de género, ou seja, a inclusão de uma perspetiva de género em todas as áreas políticas de planeamento da intervenção, reforce-se que em todos os níveis e em todas as fases dessa formulação de políticas, é a chave para transformar a mobilidade das cidades e bairros em relação ao género.
A experiência que está a ser adquirida mostra ser esta melhor via para definir uma mentalidade transformadora positiva rumo a mais igualdade de género.
Por demasiado tempo, o desenho urbano dominado pela influência do género masculino não levou em consideração os obstáculos que as mulheres encontram na sua mobilidade.
Mais recentemente, várias cidades europeias começaram a integrar políticas de género, e para isso criaram departamentos dedicados à igualdade entre mulheres e homens. Ao mesmo tempo evoluíram para uma distribuição mais equitativa de género de cargos em cargos de tomada de decisão estratégica nas estruturas da governanção urbana. Esta opção impulsiona a diferença positiva, ao promover as mudanças de forma sistémica.
Assim, considere as pessoas locais como especialistas nessa área que é delas; portanto, envolva-as em processos participativos para melhorar a mobilidade local e da cidade.
Importa explorar e envolver a diversidade. Temos representados todos os grupos de pessoas da comunidade? Pode ser preciso participar em mais de uma caminhada para acomodar essa diversidade de participação, de modo a que – é essencial – ninguém fique de fora.
Recomenda-se convidar pessoas das diferentes faixas etárias, dos diferentes grupos étnicos, de toda a condição socioeconómica, também pessoas que se identificam com várias identidades de género. Juntar todos. Incluir todos. Vai compensar o esforço.
Claro que todos os peritos da transformação ambicionada da cidade ou do bairro, designadamente arquitetos e outros técnicos envolvidos no processo, também devem participar.
O papel do mediador nesta intervenção é o de construir pontes para soluções, cruzando as ideias e os problemas que as pessoas identificam e a noção que é possível ter sobre a viabilidade das respostas por parte dos responsáveis pela intervenção;
Os políticos locais ou outros decisores relevantes; também devem participar; o ideal é que participem mais como pessoas comuns do que como membros do poder público. Afinal, eles também são pessoas e aquele também é o território. Essa proximidade é positiva para todos. Vai ajudar ao envolvimento de todos na procura de boas medidas.
Pode ser detetada a inibição de algumas pessoas na participação, designadamente numa caminhada com pessoas de outro género. Há que respeitar mas ajudar a superar, se possível.
Para instalar a confiança e a boa participação ativa, em alguns casos pode ser útil começar por organizar caminhadas específicas só com parte da comunidade. Não esquecer que, mesmo assim, será preciso levar em consideração a diversidade intra-género das pessoas, como a variação de idade, as variáveis socioeconómicas, as condições de mobilidade pessoal, etc., etc.
Para obter os melhores resultados, as metodologias de co-criação – a pé ou em estúdio – requerem a mobilização da energia dos participantes e seu total envolvimento. Importa ativar o processo de mentalidade criativa. A maioria das pessoas não está estimulada para se pôr a imaginar grandes soluções, e também muito poucos terão conhecimento técnico sobre planeamento urbano. Ao desdobrar técnicas de reflexão, como as usadas em processos de design thinking, ficam proporcionadas condições para serem encontradas grandes soluções resultantes da criteriosa reflexão em comum.
Pondere convidar pelo menos um criativo, talvez um designer ou alguém das artes performativas que possa ajudar nesse processo de imaginar um bairro/uma cidade diferente ousando explorar conjuntos de soluções para além dos mais óbvios.
Ao caminhar regularmente numa mesma área, as pessoas ficam naturalmente cientes dos problemas que podem fazer claudicar a vontade de caminhar por esses lugares. Essa constatação está relacionada com a forma de uso do território por cada pessoa, bem como condicionantes individuais e socioeconómicas. Quaisquer que sejam, é alta a probabilidade de que as pessoas já tenham detetado os problemas no cenário urbano que são obstáculos relevantes à mobilidade nessa área.
O design thinking é um processo amplamente utilizado para resolver problemas complexos, incluindo os de design urbano. Para aplicar esta técnica tão produtiva, há que juntar um grupo suficientemente alargado de pessoas numa mesma sala, de facto, representantes de todas as partes: membros da comunidade, urbanistas, arquitetos, políticos e outros decisores locais, para além dos criativos convidados a quem cabe animar a reflexão para procura de soluções. Eventualmente, esse processo de design thinking poderá ser desenvolvido em caminhadas dinâmicas em vez de no espaço de uma sala.
Aqui ficam algumas dicas sobre como ativar esse processo de design thinking, praticado em caminhadas dinâmicas, participativas:
Balade Croquis: método descrito por Sónia Lavadinho: leve um caderno de esboços consigo durante a caminhada com o grupo e anote todos os comentários surgidos ao vivo enquanto caminham. Sónia descreve esta técnica como muito produtiva, porque as pessoas conseguem ver no terreno a evolução real do processo no site e assim a participação ativa fica fortalecida.
Para melhorar a mobilidade nas cidades, consideradas as diferenças de género no uso do espaço público, os planeadores urbanos precisam, como já anotámos, de dar especial atenção às vozes das mulheres. Escutá-las, levando em consideração a sua grande diversidade. Para conseguir alcançar objetivo de igualdade de género na mobilidade, a consciência de género é parte fundamental do processo de desenho urbano. Para concretizar esse objetivo, dar voz às mulheres e envolvê-las ativamente na busca de soluções é a melhor ferramenta operacional.
Isso traduz-se pela identificação e consideração da vontade das mulheres em toda a sua diversidade, envolvendo-as nas intervenções de design urbano. Todo o esforço e recursos possíveis para concretizar essa mobilização.
Dar visibilidade a problemas na deslocação associados a atividades não produtivas. Os percursos pedestres para as escolas do bairro devem ser agradáveis, saudáveis e seguros. As pessoas que vão a pé para a escola, na maior parte dos dias da semana, fazem esse percurso de vai e vem por duas vezes.
Aqui está uma ótima oportunidade para incluir uma muito agradável caminhada na vida diária dessas pessoas, sejam pais, avós, filhos ou outros. É uma intervenção que merece a melhor ação de quem planeia a intervenção sobre o território.
É bom método começar por entrevistar pais, avós e os outros na porta de entrada da escola e, a partir da informação recolhida, tratar de construir um mapa comunitário das principais vias pedestres usadas a caminho da escola.
Outra atividade que as pessoas praticam, classificada como não produtiva, é a das compras diárias, designadamente de alimentos.
Há que dar atenção a possíveis problemas de locomoção que possam afetar algumas pessoas, particularmente idosos ou pessoas com alguma forma de mobilidade reduzida. Importa desenvolver inquéritos locais, envolvendo essas pessoas, para encontrar oportunidades de ultrapassagem da dificuldade.
Mulheres que se deslocam para o trabalho tarde na noite ou de madrugada são particularmente vulneráveis se viajam em transporte público ou se deslocam a pé. Esta é uma questão principal de segurança, que requer atenção das autoridades locais para proteger essas cidadãs.
Para que as autoridades locais tomem conhecimento desses casos, o primeiro passo pode passar por consultar as empresas de transporte público, designadamente aos trabalhadores que operam essas carreiras.
As mulheres mais jovens são particularmente vulneráveis ao dependerem do transporte público a sua mobilidade urbana e, principalmente, quando em saídas à noite, se tornam potenciais alvos de agressões e assédio sexual. Várias cidades já estão a desenvolver programas especiais dedicados à proteção dessa faixa etária à noite. É uma prática a desenvolver:
Um primeiro passo é o de conseguir bom conhecimento e entendimento dos problemas reais relatados. É preciso ouvir as autoridades policiais, visitar e consultar as pessoas dos espaços noturnos e as das empresas de transporte público.
Envolver ativamente neste processo pessoas dessa faixa etária: há que consultar universidades, em especial escolas de arquitetura e urbanismo, bem como de ciências sociais, onde a questão já pode estar a ser estudada com busca de soluções O envolvimento de alunos nesse grupo etário é muito valioso. Capacite-os para essa ajuda sobre os problemas da mobilidade jovem.
Esta faixa etária é particularmente difícil de envolver, pois os idosos costumam colocar-se mais reservados ou até isolados da comunidade.
Um ponto de partida pode passar por ONG e associações locais que já estão a apoiar esses idosos e, portanto, têm vasta informação útil e rede de contatos locais. Capacite-os para que possam ajudar na identificação e resolução de problemas de mobilidade.
Os grupos minoritários muitas vezes confiam menos nas autoridades públicas e esquivam-se ao envolvimento em projetos participativos, mesmo quando é suposto beneficiarem deles. Pode ser difícil chegar até eles se não tiver laços com o bairro e se não tiver contactos que façam a aproximação, com confiança, a essas comunidades.
O ponto de partida, também aqui, pode passar por ONG e associações locais. Há que entrar em contato com elas e capacitá-las para a ajuda na identificação e resolução dos problemas associados à mobilidade.
Associações e outros grupos com intervenção social e que já estão envolvidos com a comunidade local são muitas vezes a melhor ponte de contacto local e que permite ampliar a participação nas nossas iniciativas. Além disso, estes grupos têm conhecimento sobre as realidades locais e podem ajudar no diagnóstico inicial e desenho de projeto.
Mesmo quando não existam organizações locais dedicadas ao desenho urbano e melhoria da caminhabilidade, na verdade o tema é tão abrangente e tem implicações tão relevantes na vida das pessoas, que muito provavelmente encontrará a sua disponibilidade para ajudar.
A pandemia de Covid-19 com os confinamentos que limitaram as pessoas ao espaço em volta de casa dentro do bairro, com permissão de saída por apenas curtos períodos de tempo para compras essenciais, passear com o cão ou praticar alguma atividade física revelou várias realidades antes negligenciadas sobre o espaço urbano e a forma como nos envolvemos com ele. Muitas dessas realidades têm implicações para a mobilidade e, portanto, implicações para o design de cidades saudáveis para andar a pé:
Muitas pessoas, em fase de teletrabalho, descobriram que o bairro onde vivem não tem lojas para todas as necessidades básicas: a ideia moderna de uma cidade de 15 minutos onde as pessoas podem aceder ao básico com uma caminhada de não mais de 15 minutos de casa não corresponde plenamente à realidade. A maioria das pessoas precisará de recorrer a um percurso mais longos para chegar a restaurantes, hipermercado, escola, centro médico e outros serviços. Há que pensar essas ligações e os equipamentos e serviços que facilitam esta visão.
Está constatado que muitos bairros não têm áreas convidativas para caminhadas. Muita gente que, na sequência da pandemia, pensou em começar a praticar caminhadas curtas de lazer à porta de casa, veio a descobrir que isso não é propriamente aprazível: as hipótese de percursos não são confortáveis, o cenário é feio, às vezes revela-se mesmo perigoso para andar a pé, nem chega a proporcionar áreas verdes porque não existem na proximidade, escasseia a sombra de árvores, o espaço para caminhada é insuficiente para manter a distância física recomendada de 2 metros, em suma, não funciona.
Mesmo depois de resolvidas as questões elementares de caminhabilidade – segurança e acessibilidade, muitos bairros precisam de ser melhorados a pensar na mobilidade híper-local relacionada com o lazer e o prazer de andar a pé.
O mesmo é aplicável para pessoas que já praticavam atividade física (caminhadas, corridas ao ar livre, etc.) mas que costumavam escolher áreas especiais de lazer na cidade, como parques verdes e zonas ribeirinhas como cenário para essas atividades: a maioria, agora, no perímetro do bairro em que reside não consegue encontrar áreas verdes ou azuis de qualidade na zona de vizinhança da residência.
Mas também há aqueles que se aventuraram na busca de cenários alternativos ao ar livre e que tiveram a agradável surpresa de encontrar áreas apetecíveis para caminhar ou correr. À medida que mais pessoas passaram a explorar ruas do seu bairro, algumas áreas residenciais passaram a ter mais gente na rua em determinados horários do dia. Além disso, com a satisfação de ver e encontrar vizinhos. Fica mais confortada a vida na comunidade
Placemaking, ou o processo pelo qual o design, as intervenções e dinâmicas sociais urbanas criam identidade, ou caráter, no espaço público, é uma das ferramentas cada vez mais comum para melhorar a interação das pessoas com a cidade.
A forma mais óbvia é pelo placemaking cultural – trazer para a rua, para uma praça, para um parque eventos culturais capazes de ‘dar vida’ aos lugares e que podem mudar o nosso relacionamento afetivo com esses lugares, de forma mais ou menos duradoura.
Placemaking económico pode acontecer numa área, com o investimento em equipamentos comerciais que deem origem a mais vida a pé numa zona.
Podemos ainda falar de placemaking baseado em inovação, que resulta do investimento público, privado ou mesmo da comunidade local em novos usos para o espaço público e que lhe dão carácter e atractibilidade.
Outra forma de tentar facilitar o placemaking num lugar, e a que podemos chamar de placemaking social, faz-se recorrendo à instalação de mobiliário urbano, como bancos de rua, mesas e cadeias, equipamentos para brincar ou para fazer exercício físico, pequenos anfiteatros livres, entre outros. São muitos os exemplos recentes de lugares na cidade onde as pessoas passavam mas não paravam e que se transformaram em agradáveis locais só porque foram criadas condições para isso.
Quando há circulação diversificada de pessoas, os lugares transformam-se naturalmente em zonas de conforto para andar a pé em segurança.
Naturalmente, o placemaking está muitas vezes associado a áreas de dimensão limitada – uma praça, um parque, uma rua ou conjunto de ruas num bairro.
Contudo, a criação de ‘corredores urbanos’ que convidam ao andar a pé e que fazem uma ponte de ligação entre pontos de interesse na cidade ou funcionam como pontes estratégicas áreas funcionais nas rotinas na cidade, são uma solução que pode facilitar a caminhabilidade para quem não tem tempo ou motivação para caminhar por prazer.
Consideremos os diferentes usos do território para caminhar: caminhada funcional – ou seja, ir para o trabalho, ir à escola, cuidar das atividades de outros, fazer compras diárias, etc., caminhar em modo de lazer – passear, fazer exercício físico, e a caminhada relacional, social, que dá prioridade ao estar com outras pessoas.
Uma cidade saudável e que pode ser percorrida a pé facilita e incentiva a todos os seus cidadãos para que explorem oportunidades de caminhadas agradáveis, fáceis e seguras mesmo durantes os deslocamentos funcionais. Esta é uma visão relativamente nova para as cidades. Veremos, sem dúvida, nos próximos anos inúmeros consistentes e importantes esforços nesse sentido.
Trazer esta visão para a escala do bairro é a melhor forma de vencer o problema de falta de tempo que afeta grande parte da população ativa e em especial mulheres que acumulam funções cuidadoras.
Quando as cidades são atrativas para caminhadas, as pessoas caminham mais. Geralmente, fazem isso juntando um pouco de caminhada à deslocação necessária, reduzindo assim o tempo em transportes públicos ou no automóvel. Onde é que aqui entra a especificidade de género? Este é um factor a considerar: o que pode parecer um percurso de caminhada atraente para alguns, pode, no entanto, apresentar barreiras para outros, designadamente mulheres. É, frequentemente, por exemplo, o caso de percursos que atravessam uma área verde urbana com um ou mais pontos de baixa visibilidade, que muitas mulheres podem percecionar como zonas de risco.
Há que promover auditorias de segurança em caminhos aparentemente agradáveis para eliminar obstáculos à mobilidade confiante.
Neste manual, pretendemos destacar os fatores de mobilidade que tendem a estar associados às desigualdades de género.
O primeiro e mais destacado é o acesso aos tempos de lazer / recreio para andar a pé.
Múltiplos estudos confirmam a realidade percecionada de que muitas mulheres acumulam o emprego com várias outras atividades, designadamente as relacionadas com o cuidado de familiares. Assim, têm menos tempo para elas do que o que dispõe a maioria dos homens. Assim, é de se esperar que mulheres nessa situação tenham dificuldade em desfrutar ocasiões para irem a um lugar agradável, como um parque ou espaço à beira-mar, apenas com intenção de lazer envolvendo uma caminhada ou uma corrida.
[8,
Importa então ter em conta alguns pontos ao projetar cidades saudáveis para caminhadas pensadas em modo inclusivo, especificamente a considerar a realidade da mulher:
> Para muitas mulheres, especialmente em contexto de vida familiar, as deslocações são multifuncionais, complexas; tudo é mais difícil se os recursos económicos são escassos. Caminhar pode ser o meio necessário de mobilidade de mulheres cuja vida diária é restrita ao território da vizinhança ou se esse percurso é o necessário para as deslocações diárias.
> Esta diversidade na mobilidade pode ser vista como uma oportunidade para facilitar agradáveis caminhadas curtas e até para desenvolver o desejo de caminhar mais. Nesse sentido há que intervir para instalar atratividade em territórios de caminhada funcional.
Muitas mulheres caminham mais do que os homens no dia a dia. Mesmo que não tenham vagar para se dedicarem a atividades recreativas, podem beneficiar se esse utilitário trajeto diário puder passar a ter atratividade que induz o lazer.
Assim, planear percursos de caminhada funcionais é ótimo modo para introduzir uma caminhada mais agradável na vida quotidiana da mulher e, ao mesmo tempo, da comunidade em geral.
Muitas mães acompanham os filhos no percurso para a escola e preferirão escolher percurso que seja o mais agradável possível, desde que esteja próximo e de fácil acesso.
Planear a melhor caminhabilidade nos acessos e em volta da escola é extraordinariamente valioso e pode ter grande impacto na comunidade.
Os tempos estão a mudar. As gerações mais jovens cresceram na cultura do corpo em boa forma e farão esforço extra para acomodar as oportunidades de atividade física. Recém-mamãs, tal como muitas grávidas, são frequentemente propensas para se afastarem dos ginásios, mas isso não significa que tenham perdido o interesse pela atividade física.
Caminhar ao ar livre pode ser uma ótima alternativa ao tempo no ginásio, portanto, há que planear tendo em conta essa realidade. Importa favorecer essa possibilidade. Em alguns países é, aliás, frequente que mães recentes integrem grupos de caminhada no seu bairro. Acolha-se essa propensão.
Em especial nos países do sul da Europa, as noites tendem a ser bastante quentes durante grande parte do ano.
Há que planear enquadramentos que favoreçam passeios noturnos na vizinhança durante o verão. Isso pode até ser um grande alívio para as pessoas cujas casas ficam muito quentes no tempo de verão.
[vídeo Sónia]
Mapear os vários tipos de caminhadas que as pessoas fazem no dia a dia no seu território é uma técnica que se revela de grande utilidade. Ideal é que esse mapeamento seja feito como atividade de grupo, para se ter uma visão global que representa os padrões de mobilidade mais frequentes no bairro.
É natural que as pessoas precisam de ser incentivadas ao longo do processo para que tragam à tona a memória todas os percursos e atividades que realizam regularmente.
Este exercício ajuda a identificar as áreas mais frequentemente usadas naquele território. A partir do mapa anotado, verificar o que importa melhorar tendo em conta os requisitos de mobilidade. Também fica conseguida uma ferramenta para identificar as necessidades de grupos específicos.
Por exemplo, o Collectiu Punt 6 mostra como essa técnica funciona bem no processo de identificação dos locais mais apropriados para instalar bancos que apoiem pessoas mais velhas, possibilitando-lhes u pausa para descansar no decurso de caminhadas no território. Este grupo de urbanismo feminista catalão observa como o posicionamento inteligente desses bancos aumenta as oportunidades para as mulheres mais velhas terem mais mobilidade e poderem mover-se mais pelo bairro.
Ao combinar o mapeamento do território com caminhadas pelos diferentes locais, as propostas de intervenção urbana podem ser melhor analisadas e testadas em cenário real. O Collectiu Punt 6 refere que este processo ajudou muito a identificar com precisão a localização adequada dos bancos da rua, tendo em conta as distâncias, a sombra das árvores, e até a atmosfera sonora envolvente de modo a favorecer conversas, designadamente entre pessoas com alguma redução na capacidade auditiva.
Qual é o percurso que segue para chegar ao mercado? Ou à estação de correios? Ou ao Centro de Saúde?
Conseguir fazer esse mapeamento proporciona a visualização sequencial que dá, de forma muito detalhada e vívida, todos os detalhes que cada percurso contém.
Mapas assim, conhecidos como “mapas de jornada” são usados para ajudar a projetar e redesenhar todo o tipo de deslocações/mobilidade, seja visitas a lojas, experiências turísticas ou o percurso do utilizador na navegação por uma app para o smartphone.
Estes “mapas de jornada” são ferramenta muito útil para identificar particularidades do percurso em relação às necessidades dos vários utilizadores. Pensemos, por um lado, na rota usada por uma mãe a conduzir um carrinho de bebé com paragem em várias lojas, e, por outro lado, essa mesma rota usada por um adulto, sem qualquer constrangimento, a caminho do trabalho.
A pandemia Covid-19 mudou hábitos de caminhada de muitas pessoas. Durante o confinamento inicial (primavera de 2020) muitas pessoas começaram a cultivar passeios de lazer em volta de casa. Para muita gente foi um momento relaxante, outros viram nisso a oportunidade para praticar alguma atividade física, principalmente porque as instalações desportivas estavam fechadas. Estudos mais recentes, tal como o inquérito que promovemos, também mostram que esses novos hábitos tendem a persistir, e muitas pessoas continuam a cultivar passeios de lazer com mais frequência do que antes da Covid.
É natural que se instale um efeito coletivo de assumir o bairro como lugar aprazível e próximo para caminhadas ou corridas ao ar livre e, como tal, cresce a moda de o usar em alternativa sem custos ao ginásio.
Faça o planeamento considerando essa nova realidade, talvez acrescentando nesse território equipamentos urbanos para atrair mais pessoas à atividade física na rua. Uma vez que as ruas ganham mais pessoas a praticar atividade física, fica favorecida a atração de outras pessoas que se sentirão mais motivadas. É o bom contágio. Importa promover boa comunicação dessa novidade no bairro.
É indiscutível o valor dos espaços verdes para a qualidade do espaço público, pelo bem-estar e benefícios para a saúde que nos trazem. Contudo, estas áreas privilegiadas para andarmos a pé nem sempre estão disponíveis nos bairros nem nos percursos de deslocação funcional de muitas pessoas.
Tanto o inquérito ZEBRA “Caminho como respiro”, dirigido à população de Lisboa, como as entrevistas realizadas a organizações norueguesas no âmbito deste co-Lab evidenciam a importância da proximidade a estes espaços verdes. É a partir do seu bairro, da sua porta de casa, que a pessoas caminham. No caso português é mais clara a diferenciação entre homens e mulheres quanto ao tempo disponível para caminhar em lazer, tornando-se a distância ainda mais relevante por isso.
Deixamos também algumas pistas para tornar o seu acesso mais facilitado e equitativo:
Investir na criação de zonas verdes nos bairros e não apostar apenas em grandes parques para a cidade em geral, que obrigam a deslocações grandes para muitos.
Criar zonas verdes também pode
incentivar as pessoas a serem mais ativas fisicamente. “O que é interessante é
que os benefícios psicológicos positivos do contacto com a natureza e da
atividade física costumam apoiar-se mutuamente: para visitar a natureza, as
pessoas geralmente precisam de se mover (por exemplo, caminhar num parque,
caminhar numa floresta, etc.) e quando as pessoas se movem na natureza eles
sentem-se bem, então eles vão querer fazer isso de novo, e de novo…”
(Giovanna Calogliuri, investigadora especialista nos benefícios do exercício
verde/azul e membro do co-Lab).
Investir em corredores verdes em áreas estratégicas para os deslocamentos de rotina nos bairros
Facilitar o acesso, convidar as pessoas a entrar:
– Para muitas pessoas, entrar num parque não é um hábito instalado. Esta barreira pode ser menorizada através de soluções simples de desenho urbano para criar continuidades entre estes espaços e a rua.
– Importa ainda realizar auditorias de segurança e de perceção de risco com diferentes grupos de mulheres para compreender que barreiras é preciso eliminar
Criar uma “segunda pele” de reforço de zonas de tranquilidade, para ampliar o seu alcance no bairro (ver proposta vídeo – da especialista em intervenções urbanas Sónia Lavadinho)
Equipar para a diversidade de usos e de pessoas, incluindo a atividade física.
Placemaking dedicado aos espaços verdes
Consideremos os diferentes usos do território para caminhar: caminhada funcional – ou seja, ir para o trabalho, ir à escola, cuidar das atividades de outros, fazer compras diárias, etc., caminhar em modo de lazer – passear, fazer exercício físico, e a caminhada relacional, social, que dá prioridade ao estar com outras pessoas.
Uma cidade saudável e que pode ser percorrida a pé facilita e incentiva a todos os seus cidadãos para que explorem oportunidades de caminhadas agradáveis, fáceis e seguras mesmo durantes os deslocamentos funcionais. Esta é uma visão relativamente nova para as cidades. Veremos, sem dúvida, nos próximos anos inúmeros consistentes e importantes esforços nesse sentido.
Trazer esta visão para a escala do bairro é a melhor forma de vencer o problema de falta de tempo que afeta grande parte da população ativa e em especial mulheres que acumulam funções cuidadoras.
Quando as cidades são atrativas para caminhadas, as pessoas caminham mais. Geralmente, fazem isso juntando um pouco de caminhada à deslocação necessária, reduzindo assim o tempo em transportes públicos ou no automóvel. Onde é que aqui entra a especificidade de género? Este é um factor a considerar: o que pode parecer um percurso de caminhada atraente para alguns, pode, no entanto, apresentar barreiras para outros, designadamente mulheres. É, frequentemente, por exemplo, o caso de percursos que atravessam uma área verde urbana com um ou mais pontos de baixa visibilidade, que muitas mulheres podem percecionar como zonas de risco.
Há que promover auditorias de segurança em caminhos aparentemente agradáveis para eliminar obstáculos à mobilidade confiante.
Neste manual, pretendemos destacar os fatores de mobilidade que tendem a estar associados às desigualdades de género.
O primeiro e mais destacado é o acesso aos tempos de lazer / recreio para andar a pé.
Múltiplos estudos confirmam a realidade percecionada de que muitas mulheres acumulam o emprego com várias outras atividades, designadamente as relacionadas com o cuidado de familiares. Assim, têm menos tempo para elas do que o que dispõe a maioria dos homens. Assim, é de se esperar que mulheres nessa situação tenham dificuldade em desfrutar ocasiões para irem a um lugar agradável, como um parque ou espaço à beira-mar, apenas com intenção de lazer envolvendo uma caminhada ou uma corrida.
in Espacios para la vida cotidiana. Auditoria de calid urbana com perspectiva de género (Col-lectiu Punt 6)
Fonte: http://www.punt6.org/wp-content/uploads/2016/08/EspaciosParalaVidaCotidiana.pdf
Importa então ter em conta alguns pontos ao projetar cidades saudáveis para caminhadas pensadas em modo inclusivo, especificamente a considerar a realidade da mulher:
> Para muitas mulheres, especialmente em contexto de vida familiar, as deslocações são multifuncionais, complexas; tudo é mais difícil se os recursos económicos são escassos. Caminhar pode ser o meio necessário de mobilidade de mulheres cuja vida diária é restrita ao território da vizinhança ou se esse percurso é o necessário para as deslocações diárias.
> Esta diversidade na mobilidade pode ser vista como uma oportunidade para facilitar agradáveis caminhadas curtas e até para desenvolver o desejo de caminhar mais. Nesse sentido há que intervir para instalar atratividade em territórios de caminhada funcional.
Muitas mulheres caminham mais do que os homens no dia a dia. Mesmo que não tenham vagar para se dedicarem a atividades recreativas, podem beneficiar se esse utilitário trajeto diário puder passar a ter atratividade que induz o lazer.
Assim, planear percursos de caminhada funcionais é ótimo modo para introduzir uma caminhada mais agradável na vida quotidiana da mulher e, ao mesmo tempo, da comunidade em geral.
Muitas mães acompanham os filhos no percurso para a escola e preferirão escolher percurso que seja o mais agradável possível, desde que esteja próximo e de fácil acesso.
Planear a melhor caminhabilidade nos acessos e em volta da escola é extraordinariamente valioso e pode ter grande impacto na comunidade.
Os tempos estão a mudar. As gerações mais jovens cresceram na cultura do corpo em boa forma e farão esforço extra para acomodar as oportunidades de atividade física. Recém-mamãs, tal como muitas grávidas, são frequentemente propensas para se afastarem dos ginásios, mas isso não significa que tenham perdido o interesse pela atividade física.
Caminhar ao ar livre pode ser uma ótima alternativa ao tempo no ginásio, portanto, há que planear tendo em conta essa realidade. Importa favorecer essa possibilidade. Em alguns países é, aliás, frequente que mães recentes integrem grupos de caminhada no seu bairro. Acolha-se essa propensão.
Em especial nos países do sul da Europa, as noites tendem a ser bastante quentes durante grande parte do ano.
Há que planear enquadramentos que favoreçam passeios noturnos na vizinhança durante o verão. Isso pode até ser um grande alívio para as pessoas cujas casas ficam muito quentes no tempo de verão.
O primeiro e mais destacado é o acesso aos tempos de lazer / recreio para andar a pé.
Múltiplos estudos confirmam a realidade percecionada de que muitas mulheres acumulam o emprego com várias outras atividades, designadamente as relacionadas com o cuidado de familiares. Assim, têm menos tempo para elas do que o que dispõe a maioria dos homens. Assim, é de se esperar que mulheres nessa situação tenham dificuldade em desfrutar ocasiões para irem a um lugar agradável, como um parque ou espaço à beira-mar, apenas com intenção de lazer envolvendo uma caminhada ou uma corrida.
A pandemia Covid-19 mudou hábitos de caminhada de muitas pessoas. Durante o confinamento inicial (primavera de 2020) muitas pessoas começaram a cultivar passeios de lazer em volta de casa. Para muita gente foi um momento relaxante, outros viram nisso a oportunidade para praticar alguma atividade física, principalmente porque as instalações desportivas estavam fechadas. Estudos mais recentes, tal como o inquérito que promovemos, também mostram que esses novos hábitos tendem a persistir, e muitas pessoas continuam a cultivar passeios de lazer com mais frequência do que antes da Covid.
É natural que se instale um efeito coletivo de assumir o bairro como lugar aprazível e próximo para caminhadas ou corridas ao ar livre e, como tal, cresce a moda de o usar em alternativa sem custos ao ginásio.
Faça o planeamento considerando essa nova realidade, talvez acrescentando nesse território equipamentos urbanos para atrair mais pessoas à atividade física na rua. Uma vez que as ruas ganham mais pessoas a praticar atividade física, fica favorecida a atração de outras pessoas que se sentirão mais motivadas. É o bom contágio. Importa promover boa comunicação dessa novidade no bairro.
É indiscutível o valor dos espaços verdes para a qualidade do espaço público, pelo bem-estar e benefícios para a saúde que nos trazem. Contudo, estas áreas privilegiadas para andarmos a pé nem sempre estão disponíveis nos bairros nem nos percursos de deslocação funcional de muitas pessoas.
Tanto o inquérito ZEBRA “Caminho como respiro”, dirigido à população de Lisboa, como as entrevistas realizadas a organizações norueguesas no âmbito deste co-Lab evidenciam a importância da proximidade a estes espaços verdes. É a partir do seu bairro, da sua porta de casa, que a pessoas caminham. No caso português é mais clara a diferenciação entre homens e mulheres quanto ao tempo disponível para caminhar em lazer, tornando-se a distância ainda mais relevante por isso.
As caminhadas que se fazem a partir do próprio bairro são muito importantes como parte integrante da prática de atividade física regular.
Sugerimos o investimento ao nível do bairro de incentivos para promover a caminhada:
Deixamos também algumas pistas para tornar o seu acesso mais facilitado e equitativo:
Investir na criação de zonas verdes nos bairros e não apostar apenas em grandes parques para a cidade em geral, que obrigam a deslocações grandes para muitos.
Criar zonas verdes também pode incentivar as pessoas a serem mais ativas fisicamente. “O que é interessante é que os benefícios psicológicos positivos do contacto com a natureza e da atividade física costumam apoiar-se mutuamente: para visitar a natureza, as pessoas geralmente precisam de se mover (por exemplo, caminhar num parque, caminhar numa floresta, etc.) e quando as pessoas se movem na natureza eles sentem-se bem, então eles vão querer fazer isso de novo, e de novo…” (Giovanna Calogliuri, investigadora especialista nos benefícios do exercício verde/azul e membro do co-Lab).
Investir em corredores verdes em áreas estratégicas para os deslocamentos de rotina nos bairros
Facilitar o acesso, convidar as pessoas a entrar:
– Para muitas pessoas, entrar num parque não é um hábito instalado. Esta barreira pode ser menorizada através de soluções simples de desenho urbano para criar continuidades entre estes espaços e a rua.
– Importa ainda realizar auditorias de segurança e de perceção de risco com diferentes grupos de mulheres para compreender que barreiras é preciso eliminar
Criar uma “segunda pele” de reforço de zonas de tranquilidade, para ampliar o seu alcance no bairro (ver proposta vídeo – da especialista em intervenções urbanas Sónia Lavadinho)
Equipar para a diversidade de usos e de pessoas, incluindo a atividade física.
Placemaking dedicado aos espaços verdes
É importante que os espaços verdes e ambientes naturais sejam seguros e acessíveis às pessoas. Se um parque ou floresta for percecionado como inseguro, seja por causa do risco real de ocorrência de crimes ou porque “parece” inseguro (iluminação insuficiente, manutenção deficiente de recursos, etiquetas e lixo, etc.), este é um dos factores que afasta as pessoas.
Barreiras físicas também são uma questão central:
– Podemos ter um belo parque perto de casa, mas se tiver uma rua com muito trânsito a separar-me dele, será menos provável frequentar esse parque
– A falta de caminhos bem assinalados e bem mantidos, a falta de bancos e pontos de água, também atuam como barreira para idosos ou pessoas com mobilidade reduzida.
– Barreiras culturais também podem influenciar a extensão com que as pessoas usam os espaços verdes e ambientes naturais: nos países nórdicos, por exemplo, atividades recreativas ao ar livre e exercício verdes são geralmente vistos como uma tradição e um valor. Acredita-se que as pessoas o façam durante os feriados e fins de semana, juntamente com crianças, e é comum as mulheres participarem nessas atividades sozinhas. O resultado é que 60% dos noruegueses fazem alguma forma de exercício verde todas as semanas, sem grandes diferenças entre homens e mulheres.
A boa notícia é que não precisamos de grandes parques para desencadear esse processo: avistar a natureza nos nossos bairros (por exemplo, canteiros de flores ou árvores nas ruas, avistar rios / lago / mar, etc.) também podem incentivar as pessoas para serem mais ativas. Se por um lado é um facto que as cidades não têm espaço para construir grandes parques dentro delas, podem, no entanto, integrar mais natureza na natureza.
Co-financed by